Natal

Lucio Fontana

Foi maravilhoso para a Humanidade o que aconteceu na Galileia, a região dos galileus que, em Israel, se entendiam como os ignorantes e impuros, gente com quem os judeus se não se podiam relacionar. O desprezo dos antigos pelos galileus era tão forte que, no ano 362, o imperador romano Juliano (331-363), o último imperador pagão do mundo romano, numa carta dirigida ao presidente do Eufrates, Artabio, falou-lhe da “estupidez dos galileus”.

O que sucedeu na Galileia foi que o anjo Gabriel, enviado a Maria – a tal virgem que daria à luz um filho – … a dizer-lhe assim: Conceberás e darás à luz um filho a quem… Deus dará o trono de seu Pai David; ele reinará para sempre na Casa de Jacob e o seu reinado não terá fim (Lc 1,31-33). Depois disto, todo o Novo Testamento afirmaria repetidamente que Jesus é da descendência [e Casa] de David (Lc 2,4; Rm 1,3; Mt 1,20; Lc 1,27; 2,4; Ap 5,5; 22,16). 

Por isso ainda, quando ele nasceu, o Povo que andava nas trevas viu uma grande luz (Is 9,2). Mas os seus não o receberam (Jo 1,11b), embora ele fosse mesmo a Luz verdadeira que vinha ao mundo para iluminar todos os homens (Jo 1,9).

Foram poucos, de facto, os que se deram conta do que então aconteceu, sempre só os pobres, todos os mais andavam noutra

Alguns pobres pastores (Vamos a Belém ver o que aconteceu, Lc 2,15); os sempre misteriosos Magos, Simeão, o Velho (os meus olhos viram a salvação que trouxeste a todos os povos, Lc 2,30), e a mãe, ela sobretudo que, conforme tinha sido prometido a nosso Pai Abraão, o Altíssimo derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes, encheu de bens os famintos e aos ricos despediu-os de mãos vazias (Lc 52-53).

Paradoxalmente, este menino haveria de ser um sinal de contradição para muitos em Israel (Lc 2,34) e para muitos mais fora de Israel: lá e ao longe, então e hoje. Continua a sê-lo.

Chegámos ao Natal, estamos no Natal: a meia semana que ainda falta serve para nele nos mergulharmos ainda mais. 

Apesar de esta festa carregar ainda hoje — apesar da pantomina — muito da utopia da antiquíssima e pagã Festa dos Loucos, a verdade é que, para nós, cristãos, ela exprime aspirações muito profundas e muito sérias. Os primeiros cristãos souberam inventar o Natal do Sol da Justiça. E eu não me resigno à ideia de que os cristãos do meu tempo não sejam capazes de o celebrar Hoje, quando os Sinais dos Tempos são de dificuldade, que é o que mais acicata a esperança. 

Boas festas de Natal, mesmo coibidos pelas circunstâncias que nos envolvem!

— Foi na cidade de David que vos nasceu um Salvador, que é o Messias, o Senhor. Isto vos servirá de sinal: encontrareis um menino envolvido em panos e reclinado numa manjedoura (Lc 2,11).

Mas… como foi isto possível? Como pôde Deus ter nascido? Recordo-me daquelas palavras emocionadas que o escritor cristão primitivo pôs na boca de José: “Como é possível? Como é possível ter forma de criança Aquele que criou todos os seres? Como pôde fazer-se pequeno na terra Aquele que é grande nos céus? Como pôde um estábulo conter aquele que contém todo o universo? Como podem estes bracitos ser envolvidos em panos, se é o seu braço que governa o céu e a terra? Como é isto possível?” (Analecta sacra 1,229). 

Começou aqui a magia do Natal.